Embora não tenham sido submetidos a julgamento de colegiado no Judiciário e, por isso, não têm nenhuma condenação criminal transitada em julgado, o ex-governador André Puccinelli (MDB), aliados políticos, parceiros de negócios e ex-assessores já não têm tantas esperanças de recuperar a boa vida que levavam quando o chefe estava no poder. A esperança que renasceu com a decisão de Puccinelli de largar a aposentadoria e retornar à cena política candidatando-se ao Governo entra em processo inexorável de esvaziamento.
Incluído na relação de réus para responder a graves denúncias do MPE, que o acusou de atos de corrupção, Puccinelli despenca no fosso fundo da suspeição e arrasta consigo fiéis seguidores que lhe davam sustentação nas práticas que o transformaram em alvo de várias investigações. Em pré-campanha e apostando que não será julgado e nem condenado, o emedebista tenta injetar ânimo nos correligionários, mesmo tendo em seu rastro as imagens constrangedoras protagonizadas pelo grupo diante da Polícia e das forças-tarefa de combate à corrupção.
Algumas peças-chave do esquema político-empresarial de Puccinelli passaram e ainda passam pelo vexame de cenas deprimentes, como as registradas quando policiais levaram preso seu filho, o advogado André Jr. Após análise de documentos com a Receita Federal e a CGU, a PF apontou o ex-governador como chefe de esquema de propina há mais de dez anos, prendendo-o juntamente com seu filho, na quinta fase da Operação Lama Asfáltica, batizada de Papiros de Lama.
A PF disse que Puccinelli “tinha papel central, sendo o beneficiário e garantidor de todo o esquema”. E mais: que seu filho, o advogado Puccinelli Jr, participou do esquema com ações como a venda de livros de sua autoria para esquentar a saída de dinheiro. Puccinelli Jr foi liberado em seguida.
Também integram o círculo privilegiado do staff de negócios de Puccinelli os ex-secretários Edson Giroto (Obras) e André Luiz Cance (Fazenda); os empresários João Baird, João Alberto Amorim e Mirched Jaffar Jr; e vários servidores lotados em órgãos governamentais, entre os quais a Agência de Gestão de Empreendimentos (Agesul).
GRAVAÇÃO
A imprensa nacional publicava em 2015 mais uma página do escândalo da Lama Asfáltica. O G1, site de notícias da Rede Globo, escrevia que “Polícia Federal descobriu esquema envolvendo empresas que movimentaram bilhões de reais em contratos fraudulentos. Segundo a PF, elas agiam no governo estadual e também em prefeituras. No fim de 2014, a PF monitorava o então secretário-adjunto de Fazenda, André Luiz Cance, um dos investigados na operação Lama Asfáltica. Em uma das gravações telefônicas, ele conversa com o então governador André Puccinelli (PMDB)”.
Uma das conversas telefônicas monitoradas pela Polícia flagrou Puccinelli e Cance combinando repasses financeiros, em código:
– Cance: Senhor.
– Puccinelli: Eu preciso falar com você, para que amanhã tenha uma boa alvorada.
– Cance: Certo! Não, pode deixar.
– Puccinelli: A hora que você puder me ligar hoje ou ir lá na minha casa, qualquer hora eu te atendo.
– Cance: Não, tudo bem.
– Puccinelli: Para que amanhã tenhamos um bom alvorecer, uma boa alvorada.
– Cance: Já entendi, pode deixar que eu faço.
No dia seguinte ao telefonema, 23 de dezembro de 2014, o Diário Oficial do Estado publicou a dispensa de licitação em dois processos da Gráfica e Editora Alvorada, cujo dono é Mirched Jaffar Jr. Os contratos somam mais de R$ 5,5 milhões para a compra de livros. Na mesma semana, Puccinelli e Cance voltam a falar sobre a gráfica.
– Puccinelli: Oi.
– Cance: Oi, chefe.
– Puccinelli: Você lembra de que ficou de levar aqueles documentos lá pra mim?
– Cance: P… Lembro.
– Puccinelli: E tem mais os outros da gráfica também.
– Cance: Ó, o da gráfica eu já consegui. É pra levar pro senhor também?
– Puccinelli: Sim… Aí você leva todos os dois tipos de documentos, para eu fazer a escrita final, eu fazer a prestação de contas terça-feira… eu vou decorar, tal e vê tudo direitinho.
– Cance: Pode deixar.
– Puccinelli: Porque pode ser que tenha mil folhas, quinhentas folhas.
– Cance: Sim senhor, pode deixar.
Um dia antes do fim do mandato de Puccinelli, o governo publicou um aditivo que aumenta o valor de um contrato em quase R$ 6 milhões. Segundo o relatório da PF, em uma conversa, João Amorim e André Cance se referem ao ex-governador André Puccinelli.
– João: André? Seguinte, nós estamos com um encontro atrasado, né?
– Cance: É. Nós não, né?
– João: Ah é?
– Cance: É. Contou maior história lá pra mim ontem. Eu levei ontem lá.
– João: Mas, e daí? O cara não vai cumprir?
– Cance: Disse que vai. Fez um discurso tão bonito, quase chorei ontem.
– João: Não. Mas esse aí, que ele ficou?
– Cance: Então, já entreguei pra ele.
– João: Mas ele que vai entregar?
– Cance: Disse que é.
– João: Tá bom.