A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e um mês de prisão pode ser o primeiro capítulo de uma história alentadora no País. As pessoas de bem, contudo, não estão assim tão confiantes que a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-4), de Porto Alegre, produza um efeito cascata e seja repetido com semelhante rigor nos demais processos criminais que envolvem políticos e empresários denunciados por malversação de dinheiro e do patrimônio públicos. Há situações em que os envolvidos dispõem de mobilidade em âmbitos institucionais onde, teoricamente, possam exercer sua influência.
Este é o caso da aplicação da lei da justiça nos estados. Em Mato Grosso do Sul, um dos personagens carimbados pela expectativa popular de punição aos maus políticos é o ex-governador André Puccinelli (PMDB). Mesmo sendo há anos o pivô de dezenas de denúncias e alvo de operações especiais de combate à corrupção e ao crime organizado, preso e solto mais de uma vez e até obrigado a usar tornozeleira eletrônica, até hoje consegue se manter livre e ainda lança sua candidatura ao governo.
Nessa cadência, é possível que Puccinelli registre sua candidatura, até mesmo porque busca um mandato para ter foro privilegiado. Acontece que são muitas as denúncias feitas pelo Ministério Público (Federal e Estadual) e investigações policiais, principalmente as que tiveram a participação do Gaeco (Grupo de Apoio Especial e Combate ao Crime Organizado).
EVIDÊNCIAS
Em operações especiais, e com presença da Polícia Federal, Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público e Receita Federal, muitos indícios e evidências de crimes vieram à tona. Gravações reveladoras, documentos das mais diversas transações fraudulentas, movimentação financeira rastreada até fora do País, aquisições de imóveis e outros bens para “esquentar” o dinheiro e outras peças convenceram os promotores a pedir a prisão de Puccinelli por vários crimes de corrupção, desde improbidade, até lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Quando as etapas processuais forem vencidas e iniciar-se o rito de avaliação judicial que prepara o julgamento, os juízes terão farto material para embasar suas deliberações. Os documentos apreendidos, de acordo com o MP, revelam armações e atos estarrecedores de um grupo que, liderado por Puccinelli, montou um esquema para desviar recursos dos cofres públicos durante seu governo.
LULA, O ESTOPIM
Se a condenação de Lula acendeu um novo e mais implacável estopim saneador da política nacional, com certeza todo o Judiciário, em suas diversas instâncias e jurisdições, estará saudavelmente contaminado e fortalecido para tirar de cena os malfeitores que até hoje logram sobreviver na impunidade. Lula ainda é considerado uma das maiores lideranças políticas da história brasileira e era quase intocável, até receber as condenações do juiz Sérgio Moro, no ano passado, e dos desembargadores do TRF-4, na quarta-feira passada.
Os casos envolvendo Lula e Puccinelli têm fortes semelhanças. A diferença é que um não conseguiu escapar da Justiça e o outro ainda transita com liberdade. A fama que André Puccinelli desfrutava em âmbito regional era carregada de incensos promocionais muito bem pagos: grande tocador de obras, gênio do Executivo, líder imbatível nas urnas e gestor que fazia tudo perfeito. Tudo isso durou quase 20 anos, até ser denunciado pelo MP quando ainda era governador e as forças de investigação tiraram a máscara, descobrindo o esquema que desviou dos cofres do Estado um volume tão fantástico de dinheiro público que até hoje não foi calculado em números exatos.
Em novembro do ano passado, pela terceira vez, Puccinelli recebeu a visita de agentes da Polícia Federal. Não era de cortesia. Eles tinham mandados de prisão, busca e apreensão dirigida aos acusados de compor uma rede de corrupção que, em princípio, teria desviado do Estado cerca de R$ 235 milhões. Além do ex-governador, os mandados incluíam seu filho, o advogado André Puccinelli Jr, e outros parceiros de assessoria política, governamental e empresarial. Como das vezes anteriores, os presos foram soltos, a maioria beneficiada por habeas-corpus.
As operações policiais tiveram suas primeiras e significativas consequências quando a Justiça começou a tornar indisponíveis os bens do grupo andrezista. Nele, se sobressaíam os ex-secretários de Obras e de Fazenda, Edson Giroto e André Cance; o empresário Mirched Jaffar Jr, dono da Gráfica e Editora Alvorada (um dos drenos da milionária sangria efetuada em aquisições fraudulentas do Governo), os empreiteiros João Amorim e João Baird.