Conseguir se livrar dos incômodos da menstruação, como cólicas, inchaço e TPM, é desejo de muitas mulheres. Imagine se isso vier acompanhado de emagrecimento, combate à celulite, aumento da libido e disposição para malhar. O pacote de benefícios levou ao aumento da procura pelo “chip da beleza”, um implante hormonal subcutâneo que pode ter efeitos colaterais e gera controvérsias entre os médicos.
O “chip da beleza” não é fabricado no Brasil por nenhum laboratório da indústria farmacêutica e não é comercializado em farmácias comuns. Ele é fabricado por laboratórios de manipulação a pedido do próprio médico que indica o implante. A maioria das “chipadas”, como são conhecidas as adeptas, são modelos, atrizes e pessoas ligadas ao universo fitness, como blogueiras e personal trainers, que buscam um corpo definido.
O principal composto do chip é gestrinona, um derivado da progesterona, cuja principal finalidade é ser um anticoncepcional. “O efeitos estéticos, como a substituição da gordura corporal pela massa magra, são benefícios extras”, afirma o ginecologista Rodrigo da Rosa Filho, da clínica Mater Prime, em São Paulo, que indica o implante a algumas de suas pacientes.
O “chip” é um tubinho fino, de silicone, que tem entre 3 a 5 cm, e sua colocação é simples, com anestesia local e uma microincisão na região da nádega. “Não dói e nem incomoda, mas pode ser retirado a qualquer momento se a paciente não se adaptar”, afirma o médico, que viu a procura pelo chip aumentar cerca de 30% nos últimos três anos em seu consultório.
O médico explica que o implante interrompe a menstruação e pode ser colocado em mulheres de 18 a 45 anos que queiram evitar a gravidez, desde que não tenham histórico de trombose, câncer de mama, estejam na pré-menopausa ou sejam portadoras da síndrome dos ovários policísticos. O procedimento dura seis meses e custa, em média, R$ 3 mil.
FALTAM ESTUDOS
Apesar dos benefícios que promete, há muita polêmica envolvendo o “chip da beleza”. O CFM (Conselho Federal de Medicina) não recomenda o uso de implantes hormonais para finalidades estéticas por considerar que faltam evidências científicas sobre benefícios, riscos e malefícios que trazem à saúde. Além disso, a gestrinona, também conhecida como dimetrose, não tem registro válido para fabricação no Brasil, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Isso significa que nenhum fabricante comprovou, perante o órgão, a segurança e a eficácia dessa substância.
Especialistas alertam que a gestrinona tem ação androgênica, isto é, faz com que os níveis de testosterona (hormônio masculino) aumentem no corpo da mulher, podendo causar alguns efeitos colaterais, como crescimento de pelos, oleosidade da pele, acne, e, dependendo da dose e do tempo de administração, aumento do clitóris e engrossamento da voz.
“Para evitar esses efeitos, associamos o estradiol (hormônio feminino). Também fazemos dosagens hormonais, analisamos idade e peso da paciente e receitamos uma dose individualizada. O ideal é que haja um controle periódico para avaliar os efeitos no organismo”, diz Rosa Filho, que trabalha com implantes produzidos pelo laboratório Elmeco, fundado pelo ginecologista baiano Elsimar Coutinho.
MAIS MÚSCULOS, MENOS CELULITES
A educadora física e coach Lana Olione Pessoa, 31, de São Paulo, colocou o implante há dois meses e meio e está muito satisfeita. Como já era magra, não teve diminuição da gordura corporal, mas verificou um aumento da massa muscular, da libido e da disposição para malhar. Entre os efeitos colaterais, ela aponta oleosidade na pele e um pouco de inchaço nos primeiros dias.
“Eu tomo anticoncepcionais há muitos anos por ter tido três teratomas, uma espécie de tumor, nos ovários, precisei tirar o ovário esquerdo e metade do direito. Com isso, minha testosterona baixou muito, a ponto de não ser detectada no exame de sangue. Eu achava que era normal estar indisposta, mas hoje vejo que não”.
Lana, que usa as redes sociais para mostrar os resultados dos exercícios físicos em seu corpo, comemora o fato de finalmente ter conseguido ficar com a musculatura definida e a barriga trincada. “É notável que ganhei muita massa muscular e bem rápido, meus alunos e seguidores comentam. Como trabalho com isso, foi ótimo. Além disso, a celulite zerou”.
ESPECIALISTAS CONTRA
Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e membro da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), é totalmente contra o uso de implantes hormonais. “Não recomendo a nenhuma paciente, ao contrário, quando chegam ao consultório com um desses, falo para tirar”.
Segundo ela, existem métodos anticoncepcionais e de perda de peso mais seguros. “Além disso, os médicos podem colocar os hormônios que quiserem dentro do implante e não costumam revelar sua composição nem a outros médicos, nem às pacientes”.
No longo prazo e dependendo da dose, a médica afirma que os implantes podem aumentar o risco cardíaco, agravar o risco de trombose e embolia, resistência à insulina, diabetes, além de predisporem ao surgimento de tipos de câncer hormônio-dependentes. “O excesso de testosterona causa também queda de cabelo, deixa a mulher queixuda, com a mandíbula e as extremidades grandes e com os dentes afastados”.
Na opinião de Élvio Floresti Junior, especialista em ginecologia e obstetrícia pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), por apresentarem riscos, os implantes não devem ser uma recomendação geral, mas apenas utilizados em alguns casos específicos, como algumas mulheres na fase da menopausada que precisem de doses baixas de estradiol para reposição hormonal.
No caso do chip da beleza, Floresti é contra. “É preciso considerar o efeito rebote, assim que o implante é retirado, a hipertrofia muscular causada pelos hormônios murcha e a mulher volta a engordar. Já alguns efeitos no organismo, como engrossamento da voz e crescimento do clitóris são definitivos. Em se tratando de implantes, é muito difícil saber o limite entre o benefício e o risco”.
FILA DE ESPERA
Pós-graduado em endocrinologia na Universidade de Sorbonne, em Paris, o ginecologista Elsimar Coutinho foi professor catedrático da UFBA (Universidade Federal da Bahia), onde lecionou e realizou pesquisas por 40 anos, é pioneiro na fabricação de implantes hormonais no Brasil. Ele afirma que a gestrinona é segura e que importa a substância da Europa e dos Estados Unidos para manipulá-la no Brasil.
O medicamento é usado para o tratamento da endometriose em mulheres que têm a recomendação de não menstruar. “Tenho pacientes que usaram a gestrinona quase a vida toda sem apresentar problemas. O implante libera microdoses do hormônio. Em um ano, a mulher recebe uma dose equivalente a um único comprimido de anticoncepcional, sendo que a absorção não passa pelo fígado, cai direto na corrente sanguínea”, diz.
Aos 86 anos, o médico atende em suas clínicas em Salvador, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, e garante a segurança do método. “Tenho 22 pacientes marcadas na tarde de hoje para atendimento em São Paulo. Se fosse ruim, elas não fariam fila para colocar os implantes. Minha ideia é torná-las saudáveis, mas se querem ficar bonitas, não posso impedir”.