A quem as pessoas de bem vão recorrer quando qualquer um de seus direitos estiver sob ameaça por causa do imobilismo dos órgãos de controle, fiscalização e repressão? Esta é a pergunta que a grande maioria dos mais de 200 milhões de brasileiros faz nesta semana em que, num episódio sem precedentes, dois dos maiores poderes da Republica protagonizaram surpreendente traição de expectativas: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conservar o peemedebista Renan Calheiros na presidência do Senado.
Não bastassem os casos de corrupção que vêm sendo revelados – entre os mais recentes o propinoduto do Rio de Janeiro e o enquadramento de um ministro do Tribunal de Contas da União e de mais um ex-presidente da Câmara -, a decisão do STF funcionou como uma espécie de “absolvição” política de um senador que responde a 12 investigações por improbidade e outros crimes, sendo réu em um deles. O Supremo nem se importou com os dribles seguidos de Calheiros no oficial de Justiça para não receber a notificação do STF que o afastava da presidência da Casa e, por seis votos a três, revogou o afastamento e o manteve a frente do Senado, tendo como única restrição ser excluído da linha sucessória da Presidência da República.
Na condição de presidente do Senado, Calheiros era, pela Constituição, o segundo na linha sucessória, atrás do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, já que o vice-presidente eleito, Michel Temer, ocupa o lugar da presidenta Dilma Rousseff, apeada em processo de impeachment. Mesmo saindo da escala sucessória, Calheiros ganhou do STF um novo fôlego para seguir dando as cartas no Senado. “É uma meia sola constitucional, o famoso jeitinho brasileiro”, protestou o ministro Marco Aurélio Mello, que havia concedido uma liminar para apear Calheiros do cargo de presidente do Senado.
Calheiros tornou-se réu por peculato num inquérito onde se constatou que ele teve despesas particulares pagas pela empreiteira Mendes Jr. Daniel Sarmento, advogado da Rede Sustentabilidade, autora do pedido de afastamento, avaliou que, ao se tornar réu, Renan passou a representar um “grave risco” para a continuidade do trabalho realizado pelo Senado. O que aprofunda a crise político-institucional é que o episódio deu-se exatamente no momento em que o Congresso Nacional vota medidas polêmicas e incendiárias, como o pacote anticorrupção, o teto de gastos e a reforma da Previdência, envolvendo interesses diretos do Executivo, Legislativo e Judiciário.
ÔNYX X RENAN
O relator das dez medidas de combate à corrupção na Câmara, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), entrou com uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por injúria, calúnia e difamação. O alagoano insinuou que Onyx recebeu em sua campanha eleitoral dinheiro de caixa dois da indústria das armas. As declarações foram feitas durante sessão realizada no plenário do Senado para discutir o projeto de abuso de autoridade, na presença do juiz Sérgio Moro, que preside a Lava Jato na Justiça Federal, e do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, entre outras autoridades.
Renan é réu por desvio de dinheiro público e investigado em outros 11 inquéritos, quase todos decorrentes da Lava Jato. Na queixa-crime, Onyx afirma que foi “achincalhado” por Renan, que o chamou de Lorenzetti, em referência à famosa marca de chuveiro. “Não teve agressão ao relator da matéria, Onyx Lorenzetti. Parece nome de chuveiro, com todo respeito. Eu queria dizer é que o teste de integridade vai fazer falta. É que pesava sobre ele (Onyx) uma acusação de ter recebido caixa dois da indústria de armas e era a oportunidade para que ele, nesse teste, pudesse demonstrar o contrário, com o meu apoio”, declarou o peemedebista.