A audiência pública que debateu a situação das unidades prisionais e socioeducativas de Mato Grosso do Sul nesta quinta-feira (3) na Assembleia Legislativa foi marcada por denúncias, informações mas, principalmente, por inúmeras colaborações, recomendações e encaminhamentos práticos para o enfrentamento à tortura nesses locais.
Durante o evento, promovido pelo deputado estadual João Grandão (PT), o coordenador do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Rafael Barreto de Souza, apresentou o resumo de um relatório de mais de 120 páginas, fruto de visita de dez dias a três unidades de privação de liberdade no Estado, em setembro deste ano.
A partir da constatação de que há no Estado um quadro preocupante de precarização das instalações físicas e condições inadequadas que confrontam a dignidade e os direitos humanos dos presos, com relatos de práticas recorrentes de torturas físicas e psicológicas, o MNPCT listou 79 recomendações. Entre elas, a criação de um Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura e do Mecanismo Estadual, por meio de lei estadual; criação de ouvidorias independentes na Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul (Agepen/MS) e Superintendência de Atendimento (SAS), fim da revista vexatória; lei estadual garantindo direitos de mulheres privadas de liberdade; cuidado do filho, deslocamento e parto (sem uso das algemas durante e depois parto); separação do espaço disciplinar do espaço para proteção à integridade; mecanismos internos de denúncia e medidas para diminuir a superlotação.
“O relatório aqui apresentado é o início do debate e nosso desejo é que ele possa servir de base para a melhoria do sistema prisional e socioeducativo de Mato Grosso do Sul. E uma das estratégias é a descentralização. Já temos 17 mecanismos estaduais espalhados pelo País. Quem sabe a 18ª unidade não possa ser implantada no Mato Grosso do Sul?”, indagou Barreto.
O deputado João Grandão colocou seu mandato à disposição. “Seria um avanço enorme termos um mecanismo estadual de combate à tortura no Estado. Mas várias recomendações dependem de orçamento. Nós temos que aproveitar o momento e adequar o Plano Plurianual (PPA) para o período 2016/2019. Precisamos buscar uma saída, que é dar segurança e tranquilidade para quem trabalha nas instituições para exercerem suas funções. E quem está no cárcere tem que ter sua dignidade e direitos respeitados pelo Estado”, destacou o parlamentar.
O presidente da Agepen/MS, Ailton Stropa Garcia, concordou com o deputado e disse que a questão está acima da vontade política.
“No Brasil, são 600 mil presos e somente 200 mil vagas. Em Mato Grosso do Sul, 15 mil reeducandos e um déficit de 50% de vagas. Precisamos de mudanças estruturais e isso passa também por orçamento, mais recursos financeiros. Assim conseguiremos dar um atendimento mais humano à nossa massa carcerária”, disse.
“Pouca gente sabe, mas 40% dessa massa carcerária, ou seja, mais de 6 mil presos, são encaminhados pra cá de outros Estados, pela União. E infelizmente o Governo Federal não tem contribuído como deveria”, disse Garcia, que celebrou a abertura de concurso público neste ano para a contratação de 438 servidores para as unidades prisionais do Estado. “Esperamos que nesse concurso tenhamos a aprovação de mil pessoas para que possamos agregar mais servidores”.
O vice-presidente do Sindicato de Agentes Penitenciários, Lourival Mota, pediu a palavra, elogiou a iniciativa da audiência pública e destacou a importância da contratação de novos servidores.
“Se tivéssemos um número adequado de agentes penitenciários, muitos presos teriam garantidas suas duas horas diárias de banho de sol, seriam encaminhados ao atendimento psicossocial, jurídico, médico e voltariam devidamente atendidos e com segurança à sua cela. Essa é a nossa briga. O que está preconizado por lei a unidade penal tem que cumprir, mas infelizmente a desproporção de forças é muito grande”.
ENCAMINHAMENTOS
Além da criação de um Mecanismo Estadual, o deputado estadual João Grandão irá contribuir para a formatação do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. E foi definido ainda um prazo de 60 dias para que a Agepen e o Ministério Público Estadual encaminhem documento oficial com os avanços em relação aos problemas apresentados no relatório e o que pode ser feito para resolução das recomendações apresentadas pelo MNPCT.
Outra deliberação é a criação de uma ouvidoria externa à Agepen/MS para que as denúncias e queixas de forma geral possam ser encaminhadas de maneira mais ágil, prática e anônima.
“A Agepen, o Governo do Estado e a Secretaria de Segurança Pública vão se debruçar com muito cuidado sobre este relatório e tomar todas as providências, dentro do possível, com medidas de curto, médio e longo prazo. Sobre a proposta de uma estrutura estadual de prevenção à tortura, já recebi uma minuta para sua criação, bem como da ouvidoria do sistema prisional estadual, que devem ser encaminhadas nos próximos dias à Assembleia Legislativa”, prometeu Garcia.
Na audiência ficou acertado também que será criada uma câmara de diálogo permanente entre a Funai e a Secretaria Estadual de Justiça afim de aprimorar a comunicação entre os agentes penitenciários e os indígenas nas unidades prisionais, além de uma comissão de familiares dos presos.
Para a Promotora de Justiça do Ministério Público Estadual, Débora Aparecida Vieira, a audiência pública pode ser considerada um marco no combate à tortura nas unidades prisionais no Estado.