Sempre acreditei, diante do fraco desempenho da educação pública em Campo Grande em relação à privada, que a primeira recebesse menos recursos do que a segunda. A miríade de problemas, as greves recorrentes, as distorções salariais, a merenda em falta, os kits escolares atrasados, só poderiam ser obra da nossa (secular) falta de recursos orçamentários. A educação privada, portanto, seria melhor que a educação pública devido, principalmente, a escassez de dinheiro na rede municipal.
Olhando os números a fundo, descobri que o senso comum fazia mais uma vítima. Segundo o orçamento de Campo Grande aprovado para 2016, a Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande (SEMED) tem para gastar R$ 765 milhões com os 86 mil estudantes que se encontram matriculados na rede. Isso significa que, por mês, são gastos cerca R$ 742 por aluno. É claro que o ideal é, sempre que possível, aumentar os recursos para áreas estratégicas como a educação, mas diante da crise fiscal que castiga as prefeituras, cumpre perguntar: o que se gasta atualmente é adequado ao que se espera da escola pública?
Vejamos: uma pesquisa recente entre as escolas privadas de Campo Grande constatou que o valor médio das mensalidades no ensino fundamental era de, aproximadamente, R$ 550 reais. Naturalmente, há escolas mais caras e outras mais baratas, mas a média de Campo Grande é essa. Considerando livros, materiais pedagógicos, uniforme escolar e merenda – todos a cargo dos pais –, o valor médio gasto pelas famílias com a educação dos filhos chega a uma média de aproximadamente R$ 700 mensais por estudante – isto é, quase 6% menos do que a escola pública.
A maior diferença, contudo, não está no valor gasto com uma e outra, mas no abismo que separa a qualidade delas. No ano passado, 86 escolas em Campo Grande prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio, sendo 58 escolas públicas e 28 privadas. Das 30 escolas com melhor pontuação no exame, 27 eram privadas. Em contraposição, das 30 piores, todas eram públicas! É dura a constatação, mas a verdade é que se gasta, em média, mais nas escolas públicas do que nas privadas, mas o resultado daquelas é muito inferior.
A culpa, naturalmente, não é do professor. Munido de giz, lousa, vocação e persistência, ele se defronta com um sistema disfuncional, com problemas arraigados e crônicos, contra qual ele, sozinho em sua sala, sem uma coordenação mais ampla, não é capaz de superar. É o próprio modelo escolar que está em crise, permeado por problemas de gestão característicos da forma como se administra a coisa pública no Brasil e em Campo Grande.
Um dos maiores problemas a serem combatidos é a alta taxa de evasão escolar, que atinge 12% dos alunos, e a taxa de reprovação, que acomete 19% dos mesmos. Somando uma à outra, temos que quase 1/3 dos alunos não terminam a série todos os anos, contra apenas 5% nas escolas privadas. Como resultado, ao longo do tempo, a defasagem idade-série torna-se um problema que atinge mais de 40% dos alunos na rede pública. As salas de aula tornam-se heterogêneas, com alunos de diferentes idades e defasagens de conhecimento. Ao fim, a qualidade nivela-se por baixo: a “turma do fundão” passa a ditar o ritmo de toda a turma.
Muitas coisas podem ser feitas para aprimorar o modelo e a gestão pedagógica. Uma delas, por exemplo, é investir na elaboração de uma base curricular municipal consistente, que estabeleça objetivos claros sobre o que o professor deve lecionar em sala de aula – além de material didático para que ele planeje o seu curso. É preciso implantar programas que identifiquem alunos com baixo rendimento e defasagem idade/ano, com acompanhamento pedagógico diferenciado individual, metodologias específicas, reforço escolar e recuperação parcial bimestral.
A assistência social deve ter mais sinergia com as equipes pedagógicas, identificando problemas familiares e sociais que afetam o rendimento dos alunos. Há que se fazer um controle rígido da freqüência escolar para que o estudante não abandone os estudos. É preciso envolver a família, valorizar o professor, corrigir as (imensas) distorções salariais dentro da categoria, dar mais autonomia as escolas, adotar critérios democráticos de escolha dos diretores dos CEINFs. É triste ver como estamos distantes disso tudo: a demissão dos 47 diretores escolares neste mês, por mesquinhos critérios partidários, é prova indelével desse fato.
Autor: Pedro Pedrossian Neto, economista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP. O artigo foi publicado no site Capital News