Esquema envolveu desvio de recursos destinados à compra de materiais hospitalares
A Justiça Federal de Campo Grande condenou Alcides Manuel do Nascimento a cinco anos, sete meses e 15 dias de prisão em regime semiaberto por envolvimento em um esquema de corrupção que desviou recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). O caso, investigado na Operação Sangue Frio, revelou um esquema de pagamento de propina em troca da facilitação de contratos para fornecimento de materiais hospitalares ao Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HU).
A sentença, proferida pelo juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, responsabilizou Alcides do Nascimento por 44 atos de corrupção passiva. Além da pena de prisão, o condenado terá que devolver à União o valor de R$ 1.330.170,97, referente a dois imóveis adquiridos com o dinheiro desviado.
O esquema criminoso teria sido liderado por José Carlos Dorsa, então diretor-geral do HU, que utilizou Alcides do Nascimento como laranja para receber os valores das propinas. O dinheiro era depositado na conta da empresa Cardiocec Serviços Comércio e Representações S/S, da qual ambos eram sócios, e posteriormente transferido para contas pessoais dos envolvidos.
A Operação Sangue Frio, deflagrada em 2013, causou grande repercussão na época. Em entrevista ao programa Fantástico, Alcides do Nascimento tentou justificar sua participação no esquema alegando que morava em Paris e não tinha conhecimento do ocorrido. No entanto, as investigações comprovaram sua participação ativa no esquema criminoso.
O caso
A denúncia foi oferecida no dia 17 de agosto de 2022, sendo desdobramento da Operação Sangue Frio, inicialmente deflagrada em 2013.
A investigação do MPF, Polícia Federal e CGU (Controladoria Geral da União) revelou fraude na licitação promovida pelo Hospital Universitário em 2009, para a contratação de empresa prestadora de serviços de perfusionista, que é o profissional responsável pelos equipamentos que garantem o funcionamento correto do organismo do paciente durante o procedimento cirúrgico, além de assessoria técnica em estimulação cardíaca artificial e demais procedimentos cardiovasculares de alta complexidade.
Neste processo, que resultou na condenação de Nascimento, a denúncia relata que Dorsa era o verdadeiro operador da Cardiocec, agindo em conluio com Alcides do Nascimento, que detinha 75% das cotas do capital social.
Conforme a denúncia, no período de 15 de julho de 2009 a 28 de agosto de 2012, Dorsa e Nascimento teriam recebido, direta e indiretamente, R$ 695.776,02 por meio de 44 transferências. Também ocultaram a origem e propriedade do valor de R$ 595.776,02, proveniente de vantagem indevida por meio de 43 transferências para a Cardioce, todas feitas pela empresa Biotronik Comercial Médica Ltda. O repasso teria sido feito em contrapartida, já que o HU comprou da Biotronik materiais hospitalares.
Durante a investigação, foram apreendidos documentos, anotações e planilhas que demonstram as transferências bancárias a Biotronik, sendo considerada a evidência do pagamento de contrapartidas pela empresa favorecida, a Cardiocec.
A operação também apurou, com base nos documentos apreendidos, que Dorsa recebia pagamentos fixos da empresa Biotronik, no valor de R$ 17 mil, além de crédito para ele de R$ 5.941,00. “Ao final do período, entre abril e agosto de 2011, contabilizou-se um acerto de diferença entre os pagamentos fixos mensais (R$ 85.000,00) e o montante obtido por marca-passo implantado (R$ 110.529,42), que resultou no crédito para José Carlos Dorsa Vieira Pontes no valor de R$ 25.529,42”.
No despacho, é citada a defesa de Alcides do Nascimento, que havia pedido a nulidade dos procedimentos investigatórios. Na lista de justificativas, a de que a autoridade do CGU, que supervisionou as investigações tinha sérios problemas de ordem pessoal com Dorsa; que houve excesso de prazo de interceptações telefônicas e ausência de degravação. No mérito, sustentou ausência de provas de materialidade e autoria, sem comprovação de fraude ou superfaturamento de pregões eletrônicos que fariam conexão entre as empresas; inexistência de relação ilegal entre a Cardiocec e Biotronik.
Sentença
Sobre a defesa do réu, o magistrado considerou que não foi comprovada a tal relação de inimizade entre a chefia da CGU e Dorsa e que supostos problemas surgiram no curso da investigação. Pontuou que a Lei 9296/96 não estipula prazo máximo para duração das interceptações, que podem ser prorrogadas sucessivamente.
O juiz enfatizou que a operação Sangue Frio não apura a contratação da Cardiocec em si, mas a utilização da empresa “como meio dissimulado do recebimento de propinas” por Dorsa e Nascimento.
“Ocorre que os diálogos interceptados afastam qualquer dúvida quanto à interferência e à gestão de JOSÉ CARLOS DORSA, em parceria com ALCIDES MANUEL DO NASCIMENTO, da empresa CARDIOCEC. A partir dessa premissa, é possível concluir que ambos se beneficiavam dos valores que ingressavam na conta da CARDIOCEC, supostamente como pagamento de vantagem indevida em razão da função pública exercida por DORSA, o que será analisado adiante”, discorreu o juiz federal.
No despacho, citou que, entre dezembro de 2010 e julho de 2013, prazo de 32 meses, Nascimento recebeu R$ 950,7 mil; em 3 de novembro de 2011, fatura de R$ 17,5 mil do cartão de crédito de José Carlos Dorsa foi paga a partir da conta bancária da Cardioce.
No caso concreto, o juiz considerou o período de julho de 2009 e agosto de 2012, sendo considerado quatro contratos públicos celebrados pela Biotronik com HU, quando se consumaram quatro anos de corrupção passiva.
O juiz condenou o réu por corrupção passiva. Do crime de lavagem de dinheiro, considerou que o crime foi inexistente, já que não há indícios de que eles tenham sequer tentado esconder a transferência da conta empresarial para a pessoa e vice-versa.
“Constata-se, assim, que o produto do delito de corrupção passiva foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável (…)”. Por esse motivo, ele foi absolvido do crime.
Com a condenação por corrupção passiva, o juiz determinou o perdimento de bens, pedidos pelo MPF. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Nascimento para saber se ele irá recorrer da sentença.
Nesta ação, José Carlos Dorsa não figurava com o réu. Ele morreu no dia 11 de março de 2018.