Quando a pessoa comete ou é flagrada em atitudes indecorosas, indecentes ou transgressoras, geralmente a surpresa se manifesta na vermelhidão do rosto. Envergonhar-se era algo que o rubor nas faces denunciava. Era também um indício de que a pessoa se envergonhava porque residiam nela sentimentos nobres, princípios éticos e morais que lhe permitiriam sacudir a poeira, fazer o “eu confesso” e seguir adiante procurando redimir-se.
Esse tempo ainda existe, não acabou, pois muita gente ainda fica ruborizada quando escorrega nas boas regras e é apanhada de surpresa no cometimento do deslize, mas não perde a vontade de se consertar e de melhorar porque conserva o patrimônio moral da vergonha. Infelizmente, a falta de vergonha deixou de ser exceção. Virou regra individual ou coletiva, quando corporações agem e decidem de acordo com suas conveniências, vaidades e ambições.
Um exemplo atual da ausência de vergonha, demonstrado até com ostentação, é oferecido pela Câmara Municipal de Campo Grande. Não de maneira individual, mas corporativa e politicamente, na medida que os seus titulares, na maioria, põem o Legislativo no colo do Executivo, deletando de um poder representativo do voto popular a atribuição – obrigatória – de fiscalizar o outro.
A cidade está sob uma das piores administrações de sua história. E entre as dezenas de razões que acodem esta afirmação, um dos terríveis descalabros patrocinados pela gestão municipal é o caótico e enferrujado serviço de transporte coletivo. Mas só é caótico e enferrujado para o povo que sofre com o desserviço e paga caro por ele, enchendo bolsos e cofres de empresário e empresas com lucros diários.
Pois então: garimpando ouro no asfalto e asfixiando as economias populares, as concessionárias do transporte coletivo vão sugar mais uma vez os recursos dos contribuintes: terão nas suas contas bancárias até R$ 19 milhões, a título de auxílio financeiro. Na verdade, é mais um milionário favorzinho patrocinado pela prefeita Adriane Lopes e os vereadores que lhe dão sustentação. Eles, em ampla maioria – só a vereadora Luiza Ribeiro votou contra – aprovaram a entrega deste cheque em branco ao Consórcio Guaicurus.
Talvez esta decisão tenha a ver com o ano eleitoral e o desespero de gente querendo se reeleger. Sim ou não, a vergonha precisa de algo que muita gente não possui: vermelhidão na face e na consciência. Espera-se que o eleitor faça em outubro o uso de seu título como um removedor do óleo de peroba que enverniza a carinha feliz desses “representantes” do povo.