Intimada por afrontar a Justiça, prefeita quer alugar ambulância e baixa decreto para curar o mal da incompetência
O desgoverno que campeia em todos os serviços públicos de Campo Grande reflete aquilo que pode ser constatado nas cenas diárias de dor, de desespero e humilhação nas unidades municipais de saúde pública. O povo que depende do Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta um quadro dos mais caóticos ao procurar socorro médico ou ambulatorial. É obrigado a enfrentar filas de espera em unidades desestruturadas: umas sem adequada acomodação, outras até com goteiras e em geral a falta de profissionais – e não-raramente se registram óbitos, desmaios e outros transtornos.
A crise não é apenas da saúde. É geral. O caos é de gestão. A prefeita Adriane Lopes (PP), com o apoio e a cumplicidade da Câmara – onde tem a maioria dos vereadores -, vem fazendo e desfazendo com o poder que tem nas mãos e na sua caneta de ouro. Na semana passada, diante do surto de doenças respiratórias e outras enfermidades, tentou resolver tudo baixando um decreto de emergência. Alegou insuficiência de leitos de UTI neonatal, como se esta deficiência não fosse rotineira há vários anos.
A situação de emergência consta de um decreto que precisa ter o aval técnico-administrativo do Estado. Porém, de pouco ou nada adiantará um decreto se o problema é de incompetência gerencial e está incubado no enredo político e eleitoral de uma prefeita obcecada pela reeleição. Uma cidade com quase um milhão de habitantes que não dispõe sequer de leitos de neonatal e pediátricos revela quem a governa.
A DUPLA
Falta de dinheiro não é. A dupla Marquinhos Trad-Adriane Lopes, que assumiu o poder em 2017, já tinha conhecimento da situação. Nem era necessário esperar um surto de Influenza, de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ou de dengue, entre outras doenças, para dotar a rede de saúde de estruturas de atendimento compatíveis com o tamanho da cidade. Em vez de 15%, o piso constitucional de repasse, Marquinhos e Adriane se gabavam de governar transferindo 27,5% do orçamento para a saúde.
Em miúdos: para este ano, o orçamento total, da Capital é R$ 6,4 bilhões. E 27,5% deste total significam R$ 1,7 bilhão por ano para a saúde, ou R$ 4,7 milhões/dia. Não falta dinheiro. Em Maceió, o orçamento anual é R$ 5,3 bilhões, sendo que 20% (pouco mais de R$ 1 bilhão/ano) vão para a saúde. Em Teresina são R$ 5,5 bilhões no total e 30% para a saúde. Em João Pessoa, o orçamento geral é R$ 4,2 bilhões, com 25% (mais de R$ 1 bilhão) para a saúde. Detalhe: nestas capitais, de porte semelhante ao de Campo Grande, ou não existem os mesmos problemas ou o seus TCEs (Tribunais de Contas) investigam e repreendem a má aplicação de verbas destinadas ao setor.
Campo Grande não tem Hospital Municipal, apesar do conto de fadas contado pela prefeita e sua base. Não se faz hospital por decreto. Nem se conserta a goteira do posto ou se compra mais cadeiras para a UPA. Por decreto, não se mantém estoque de remédios básicos, não se acomoda os doentes e não se paga os direitos trabalhistas da enfermagem. Por decreto não se faz o Legislativo cumprir seu papel de fiscalizar o Executivo e barrar seus abusos. E por decreto também não se obriga o Tribunal de Contas a cobrar da prefeita o cumprimento do Termo de Ajuste de Gestão (TAG), com o qual ela se comprometeu a racionalizar despesas e cortar a gastança para garantir o custeio do que é essencial.
INTIMAÇÃO
A prefeita Adriane Lopes tem até o próximo dia 16 para se defender no processo do Tribunal de Justiça no qual é solicitada a decretação de intervenção na prefeitura. Ela foi intimada pelo oficial de Justiça Antônio Carlos Ávalos, por determinação do presidente do TJMS, desembargador Sérgio Fernandes Martins. A representação com pedido de intervenção estadual na prefeitura foi protocolada no Tribunal pela Associação em Defesa dos Trabalhadores da Enfermagem e pelo sindicato da categoria, que ganhou judicialmente o direito legal à insalubridade.
Além de não cumprir a determinação da Justiça e boicotar o direito dos trabalhadores, Adriane resgatou e modificou uma licitação suspensa em 2023 para a compra de 10 ambulâncias para o Samu. A suspensão foi para fazer alteração no texto do edital. O trabalho dos socorristas tem sido prejudicado pela falta de viaturas na Capital. Agora, a prefeita quer cometer mais um absurdo: alugar nove ambulâncias. São sete anos e quatro meses de mandato da dupla Marquinhos-Adriane – e a cidade não tem sua própria frota de ambulâncias para socorrer seus doentes.