Um estudo inédito da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul revelou sérias violações de direitos e da dignidade humana no sistema prisional de Dourados, considerada o “presídio brasileiro” de indígenas.
O relatório, produzido pelos Núcleos Penitenciário, de Direitos Humanos e de Defesa dos Povos Indígenas e da Igual Racial e Étnica, em parceria com a Defensoria Pública da União, Pastoral Carcerária, Instituto das Irmãs da Santa Cruz e Conselho Indigenista Missionário, destaca que o município é o que mais encarcera pessoas indígenas no Brasil.
Segundo dados nacionais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), no período de janeiro a junho de 2023, Mato Grosso do Sul tinha 401 indígenas presos, representando quase um terço do total de 1.226 indígenas presos no país.
Durante um mutirão de atendimento às pessoas indígenas privadas de liberdade na Penitenciária Estadual de Dourados (PED), realizado entre os dias 26 e 30 de junho de 2023, foram registrados 206 atendimentos, apesar de a PED informar apenas 180 indígenas sob sua custódia.
“Dourados, maior município do interior do MS, é a cidade que encarcera a maior quantidade de pessoas indígenas do Brasil. Nele está localizada a reserva indígena com maior densidade populacional do Estado, cerca de 13.473 indígenas (IBGE, 2023) nos 3.539 hectares demarcados, concentrando os povos Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva e Terena. Além disso, possui 15 áreas de retomada ocupadas por famílias indígenas que reivindicam a demarcação dos seus territórios tradicionais”, detalha o coordenador do Nuspen, defensor público Cahuê Duarte e Urdiales.
Entre as violações constatadas no estudo está a falta de documentação civil básica de 22,3% dos indígenas atendidos, o que os coloca à margem das políticas públicas estatais. Além disso, 80,5% dos indígenas entrevistados afirmaram não ter sido informados sobre os direitos específicos decorrentes da autodeclaração como indígenas, e 85,9% afirmaram não ter tido acesso a um intérprete de sua língua materna durante o processo criminal.
O relatório aponta ainda que a falta de acesso ao registro civil leva as pessoas indígenas a viverem boa parte da vida como invisíveis aos olhos do Estado brasileiro. A ausência de registro também coloca em questão a identificação e autoria dos crimes, segundo o coordenador do Nupiir.
Diante dessas constatações, a Defensoria Pública de MS destaca a importância da adoção de medidas que promovam o acesso à língua materna para as pessoas indígenas em privação de liberdade, conforme recomendação do Manual da Resolução 287/19 do CNJ. No entanto, o estudo revela que 77,2% dos indígenas entrevistados podem não ter o português como língua primária, mas apenas 6,8% afirmaram ter tido acesso a um intérprete de sua língua materna durante o processo criminal.
A Defensoria Pública destaca a necessidade urgente de medidas para garantir os direitos e a dignidade das pessoas indígenas em situação de privação de liberdade em Dourados e em todo o estado de Mato Grosso do Sul.
“O laudo antropológico é um instrumento de extrema relevância por informar a identificação, a etnia e a língua falada pela pessoa indígena, bem como a sua capacidade de se comunicar em português no contexto do processo criminal, de modo que sua realização contribui para a formação da convicção da autoridade judicial”, comentou o coordenador.